Prelúdio de Renan Ribeiro de Araújo
O escrito do ex-deputado, líder operário-camponês Floriano Bezerra de Araújo, para o seu Caderno de Memórias, e que excepcionalmente publico nesta terça-feira, 21 de junho de 2016, cultiva a virtude da gratidão, além de nos passar como narrativa cinematográfica episódios tenebrosos dos tempos ditatoriais. Vejam:
DE MACAU/NATAL/RECIFE
ANOS 1967/2011
– Meu texto memorial de hoje é um louvor de justiça a quem merece. Dr. João Câncio Leite de Melo advogava para os marítimos de Macau como substituto do Dr. Antunino Aguiar de Matos Cerejo. Na época eu fui citado pela justiça de Natal para uma audiência em que seria ouvido e apresentar nomes de testemunhas.
– Vim a Natal acompanhado de minha esposa Francisca da Fonseca Ribeiro de Araújo. Falamos, em seu escritório com o advogado João Câncio, que me ouviu atentamente, dizendo-me, Floriano, recebo a sua causa com muita satisfação. Quero os nomes das pessoas que você indica para serem ouvidas, se já sabe. Respondi: 1. Senador Dinarte de Medeiros Mariz; 2. Deputado José Cortez Pereira de Araújo; 3. Dr. Manoel Augusto Bezerra de Araújo. Então, Perguntei: Dr. João Câncio, e seus honorários? Floriano, não vou receber honorários de você. Respondeu.
– Dr. João, este dinheiro lhe deixo para pagar alguma custa em cartório, certo? Não Floriano; não vou precisar, não quero nada de você. A muito custo, o dinheiro ficou. Antes disse: Na próxima audiência veremos o que fazer daí para frente. Certo, Respondi. Fizemos o nosso abraço de até depois e saímos. Quando recebi nova citação de Natal para depoimentos nos autos dos IPM-s, ao adentrar a sala das audiências, Dr. João Câncio lá estava. Ah! Foi aquele abraço na minha chegada. Aí conversamos um pouco. Fui chamado para depor. Às perguntas respondi na melhor forma que sabia.
– O Senador Dinarte Mariz havia solicitado ao Dr. Juiz, 30 dias para se apresentar, ex-vi de uma cirurgia de emergência que teve de fazer no Rio de Janeiro. Ouvido o Deputado José Cortez Pereira de Araújo, seguiu-se o depoimento do Dr. Manoel Augusto Bezerra de Araújo. Terminada a Audiência, ainda no Fórum da Ribeira, Dr. João Câncio, bem me lembro, disse que depois do depoimento do Senador Dinarte Mariz, os Autos dos IPM-s seriam conclusos e encaminhados para a Auditoria da 7ª R-Militar no Recife. Seríamos então citados. E iria comigo a Recife, apresentar-me ao Dr. Roque de Brito Alves na Rua Padre Inglês, n.º 22, Travessa da Conde da Boa Vista.
– Estou lembrado, fins de 1967, os Autos dos IPM-s já em Recife, Dr. João Câncio Leite apresentou-me ao criminalista Roque de Brito Alves, dizendo-lhe em detalhes a minha situação econômica, desemprego, e tal. Dr. Roque tomou da palavra para dizer-me que recebia a minha causa convicto que tudo ia dar certo. Que eu ficasse tranquilo que faria todos os trabalhos necessários perante a Auditoria, ou perante o STM, no Rio de Janeiro.
Dia 14 de julho de 1969, viajei escoltado pelo Cabo PM José Miguel, de Macau para uma audiência na Audioria da 7ª R-Militar em Recife, para julgamento do IPM realizado em Natal pela área militar do Exército Brasileiro. Éramos 27 indiciados do Rio Grande do Norte, entre o quais estávamos eu, Dr. Vulpiano Cavalcanti de Araújo, o Mestre Marítimo, líder sindical macauense Zacarias Francisco Rodrigues e outros. Sete horas de audiência continuada. Último a ser julgado, fui proclamado absolvido por exceção da coisa julgada. Dr. Roque de Brito Alves, veio ao meu encontro e se congratulou comigo pela vitória obtida. Disse-me que pela madrugada ia viajar à Europa Ocidental para fazer uma semana de conferências sobre o Direito Criminal; antes passaria na Auditoria Militar e entregaria ao vigilante, seu amigo, os autos da minha Apelação no processo pelo qual estava cumprindo pena na 2ª Cia de Polícia em Macau. Depois fui informado que o vigilante recebeu e protocolou devidamente a petição no Cartório da Auditoria, primeiro documento ali protocolado pela manhã. Finalmente, no STM, fui também absolvido, desta vez à unanimidade dos seus pares. Guardo em meu arquivo, uma Certidão respectiva da absolvição.
O tempo passou. Em 2009, cinco dias antes do lançamento em Natal do meu livro Minhas Tamataranas: Linhas Amarelas – Memórias, localizei o escritório do Dr. João Câncio Leite de Melo. Fui convidá-lo a participar do dito evento. Adentrei a porta de vidro, e me anunciei para falar com o Advogado João Câncio Leite. A atendente me levou à porta da sala dele, para que eu entrasse, botei a cara na porta, ele fez humor comigo, espalmou três dedos de mão para cima, desceu com força no birô, exclamando: Porra! Tinham me dito que esse homem tinha morrido e agora você meu amigo, aqui. Estou feliz. Me deu um grande abraço. Aí lhe fiz o meu convite para o lançamento do livro e ele me confirmou a participação. Veja. Na noite do lançamento, logo dos primeiros estava em minha frente Dr. João Câncio, acompanhado da viúva do Dr. Angelo José Augusto Varela, meu ex-colega da Assembléia Estadual nos anos 60.
Exibindo-me três livros para o meu autógrafo: Um para ele, outro para Dr. José Daniel Diniz, ausente; o outro a viúva do Dr. Angelo Varela, por sinal, irmã da esposa. Reclamei, não devia ter comprado os livros. Não, disse, por que você precisa do dinheiro para cobrir gastos com o lançamento, tão organizado, bonito e muito histórico, afirmou Dr. João Câncio. Meu ilustrado patrono nos IPM-s estivera trinta anos fazendo advocacia empresarial e tributária no eixo São Paulo/Rio de Janeiro, onde fez riqueza, ganhando, do Jornal Dois Pontos o epíteto de “O Advogado da Província que Venceu na Metrópole”.
– O ilustrado Dr. João Câncio começava a publicar em revista de Natal os primeiros textos do livro de suas memórias, que sonhara levar ao prelo o mais cedo possível. Infelizmente, porém, foi atropelado pela sombra escura do Corujão asqueroso que silencia eternamente os Homens nos sonhos dourados de viver a vida. 3 de novembro de 2011, esta fatalidade atroz.
(Na foto que ilustra a publicação, Floriano Bezerra de Araújo está acompanhado do casal Maise e Roberto Monte, bem como do militante Mery Medeiros da Silva. Na foto inserida no corpo do texto, o Advogado João Câncio Leite de Melo em registro de FD/Nominuto)