Do Sítio Juazeiro/Carapebas para as caatingas do Vale do Açu

Na foto, Querubina Bezerra de Araújo, mãe de Floriano Bezerra de Araújo, fotografada entre suas netas Salusa Ribeiro, Siluck Ribeiro e Itajacy Lacerda, por ocasião do casamento de José Maurício Soares Cavalcanti - Rei Cural - e Rita de Cássia, filha de Floriano Bezerra
Do Sítio Juazeiro/Carapebas para as caatingas do Vale do Açu

Prelúdio de Renan Ribeiro de Araújo

Sem-Terra que é sem terra vive as agruras do trabalho no campo e sonha com reforma agrária. Aos poucos, apesar das muitas exclusões que sofre, exerce duramente o direito humano de ir e vir com liberdade de expressão; interagindo pela vida em paz e harmonia, em que pese o paradoxal perigo das batalhas pelo fim da opressão. No seu Caderno de Memórias de hoje, 9 de maio de 2016, o ex-deputado, líder operário camponês Floriano Bezerra de Araújo nos leva com ele ainda criança, em família, viajando numa garupa de jumento, passando por lavoura e pecuária potiguares. Vejam:

DO SÍTIO JUAZEIRO/CARAPEBAS PARA AS CAATINGAS DO VALE DO AÇU – ANO 1936

Papai, Venâncio Zacarias de Araújo, era um Sem-Terra; alugava sua força de trabalho; também era tropeiro. Resolveu empreender mudança para viver perto dos pais e irmãos, em número de oito.

Papai possuía seis jumentos bons, equipados de cangalhas e arreios novos. Com essa tropa de animais lutava também pelo ganha-pão da vida. Vendeu três burros arreiados. Ficou com três, todos devidamente equipados. Isto posto, num Domingo, bem me lembro, encangalhou os animais, botou caçoais, num dos quais botou Gabriel; no noutro, Adonias e Hugo. Pegou mamãe, botou em cima da cangalha de outro jumento, entregando-lhe Olda para levar no colo, mandando-me subir na garupa do jumento.

Papai montou na cangalha do outro animal, ordenando a José para subir na garupa. Mandou mamãe ir à frente, o jumento dos caçoais com os meninos ia no meio; meu pai orientando tudo durante a viagem. Atravessou o Rio Salgado seco e seus areais. Tomou a vereda que passava ao largo da Fazenda Santa Rosa, seguindo o rumo da Fazenda Santo Antônio, antes, o vento Alisío, ou Nordeste, já balsamizava a região; os pebas começavam a sair de suas tocas/buracos; um enorme cruzou o caminho, papai, saltou e matou-o.

Prosseguiu a viagem passando pelo lado Norte da Casa Grande da Fazenda Santo Antonio, rumou ao Moquém, Fazenda dos herdeiros do então dono da Fazenda Estreito, na Ribeira do Rio Açu. Do Moquém seguiu pelo caminho da Fazenda Floresta, propriedade de meu avô Zacarias Antonio de Araújo, aforada ao Estado e deferida, começando sua demarcação.

Antes da chegada à Fazenda Floresta, papai, no caminho, matou mais dois pebas e uma maritacaca gorda, cuja bolsa da urina foi tirada no cuidado sertanejo, escalada como um leitãozinho, depois de dois dias de sol intenso, a gente comeu com batata doce cozida, durante dois almoços.

Chegou a Fazenda Floresta pelas oito horas da noite, que era de lua, a qual tanto facilitou sua caminhada. Todos com fome, ainda comemos um peba bem preparado por minha avó, Mãemaria, que nesse primeiro momento de contato comigo, me disse para assim chamá-la. Nunca esqueci dessa primeira ordem que me deu na Floresta.

Depois do jantar, crianças com sono, e tal, mamãe já procurava nos caçoais as redes trazidas do Sítio Juazeiro, nosso inicial ponto de partida. Então, fomos todos dormir, cujo sono foi profundo até o quebrar da Barra, na linguagem usual dos sertanejos.

Meu avô, Zacarias Antônio de Araújo, ordenado por ele, daí em diante nós os netos passamos a chamá-lo de Papaicaria, nome tão doce como pedra de açúcar na nossa emoção, durante o tempo longevo que tivemos a Graça de tê-lo entre nós.

Ah! Como me lembro, Papaicaria chamou a mim e José meu irmão para olharmos como tirar leite das vacas. Papai e mamãe logo se levantaram dos seus aposentos, pensando em cuidar da vida, que nunca foi moleza para um Sem-Terra. Papaicaria, eu e José voltamos para a casa, quase pegada com o curral do gado, com o leite que, todos da família, comemos com batata doce cozida e um pouco de café passado na mochila, torrado no caco com rapadura, energético que dá força e disposição para quem trabalha nas lutas do Campo.

Em seguida, mamãe foi tratar dos dois pebas, que teríamos de almoçá-los durante dois dias.

Daí em diante foi rotina das lutas na fazenda. Só em 1937, é que papai migrou com mamãe e filhos para o Tabuleiro Alto; Ribeira do Vale do Açu.

– Se a vida é uma Graça, nunca foi de graça para os povos proletários.

(Na foto, Querubina Bezerra de Araújo, mãe de Floriano Bezerra de Araújo, fotografada entre suas netas Salusa Ribeiro de Araújo, Siluck Ribeiro e Itajacy Lacerda, por ocasião do casamento de José Maurício Soares Cavalcanti – Rei Cural – e Rita de Cássia, filha de Floriano Bezerra)

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